terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Antífona

Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras


Formas do Amor, constelarmante puras,
De Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas ...


Indefiníveis músicas supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume...
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...


(...)




Fecundai o Mistério destes versos
Com a chama ideal de todos os mistérios.
(...)




Que o pólen de ouro dos mais finos astros
Fecunde e inflame a rima clara e ardente...
Que brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente, luminosamente.




Forças originais, essência, graça
De carnes de mulher, delicadezas...
Todo esse eflúvio que por ondas passa
Do Éter nas róseas e áureas correntezas...


Cristais diluídos de clarões alacres,
Desejos, vibrações, ânsias, alentos
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Os mais estranhos estremecimentos...


Flores negras do tédio e flores vagas
De amores vãos, tantálicos, doentios...
Fundas vermelhidões de velhas chagas
Em sangue, abertas, escorrendo em rios...


Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,
Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte...

                                                               (Cruz e Sousa)




1. O poema apresenta regularidade métrica? Qual a distribuição de rimas das duas primeiras estrofes?


2. Localize no poema termos do vocabulário litúrgico.


3. Pode-se considerar o poema metalingüístico?Justifique.


4. Que imagens visuais são usadas na primeira estrofe para caracterizar as Formas?


5. Essas imagens visuais sugerem formas exatas, bem definidas? Justifique.


6. Que imagens olfativas estão presentes no poema?


7. Observe o uso de reticências. O que seu emprego sugere?


8. Este poema constitui um verdadeiro manifesto simbolista. Analisando-o, que características, podemos depreender da poesia simbolista?

ARTE POÉTICA


Antes de tudo, a Música. Preza
portanto, o Ímpar. Só cabe usar
o que é mais vago e solúvel no ar
sem nada em si que pousa ou que pesa.

Pesar palavras será preciso,
mas com certo desdém pela pinça;
nada melhor do que a canção cinza
onde o Indeciso se une ao Preciso.

uns belos olhos atrás do véu,
o lusco-fusco no meio-dia
a turba azul de estrelas que estria
o outono agônico pelo céu!

pois a Nuance é que leva a palma,
nada de Cor, somente a Nuance!
Nuance, só, que nos afiance
o sonho ao sonho e a flauta na alma!

foge do Chiste, a Farpa mesquinha,
frase de espírito, riso alvar,
que o olho do azul faz lacrimejar,
Alho plebeu de baixa cozinha!

A eloquência? torce-lhe o pescoço!
e convém empregar de uma vez
a rima com certa sensatez
ou vamos todos parar no fosso!

Quem nos dirá dos males da rima!
que surdo absurdo ou que negro louco
forjou em jóia este toco oco
que soa falso e vil sob a lima?

Música ainda e eternamente!
que teu verso seja o voo alto
que se desprende da alma no salto
para outros céus e para outra mente.
 
que teu verso seja a aventura
esparsa ao árdego ar da manhã
que enche de aroma ótimo e a hortelã...
e todo o resto é literatura.

PAUL VERLAINE (Tradução de Augusto de Campos)


  1. Os parnasianos consideravam as artes plásticas como modelo para a arte poética. A partir da leitura do poema, pode-se atestar o mesmo ideal nos simbolistas?
  2. As obras parnasianas revelam preocupação com a descrição precisa. O exame do poema de Verlaine permite concluir o mesmo das obras simbolistas?

LÍNGUA PORTUGUESA


Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...


Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!


Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,


Em que da voz materna ouvi: "meu filho!"
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!


(Olavo Bilac)

LÍNGUA


Gosto de sentir a minha língua roçar
A língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar

A criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões.
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa,
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade.
E quem há de negar que esta lhe é superior?
E deixe os portugais morrerem à míngua,
“Minha pátria é minha língua”
- Fala Mangueira!

Flor do Lácio, Sambódromo
Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode

Esta língua?
(...)
(Caetano Veloso)


1.    A que fato histórico fundamental fazem alusão as expressões “flor do lácio” e “latim em pó”?

A um poeta

   
                                         Surge et ambula
 
Tu que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno.

Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno
Afugentou as larvas tumulares...
Para surgir do seio d’esses mares
Um mundo novo espera só um aceno...

Escuta! é a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem! são canções...
Mas de guerra... e são vozes de rebate!

Ergue-te, pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!

                                                                 (Antero de Quental)

A um poeta
 
Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha e teima, e lima , e sofre, e sua!


Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço: e trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua,
Rica mas sóbria, como um templo grego.


Não se mostre na fábrica o suplicio
Do mestre. E natural, o efeito agrade,
Sem lembrar os andaimes do edifício:


Porque a Beleza, gêmea da Verdade,
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.


(Olavo Bilac)

1.      Na primeira estrofe do poema de Antero, a quem o poeta é comparado?

2.      Qual o papel que o poeta deve desempenhar?

3.      No poema de Antero há um jogo de claro-escuro. Em que consiste o momento de luzes?

4.      No poema de Bilac, a quem o poeta é comparado?

5.      Comparando os dois sonetos, caracterize a postura parnasiana em oposição à realista.

OS SAPOS

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

- O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinqüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."

Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- “A grande arte é como
Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".

Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...


(Manuel Bandeira)



1.    Aponte um trecho em que há referência ao poema “Profissão de Fé”, de  Olavo Bilac.

2.    Comente o trocadilho “Reduzi sem danos / A fôrmas a forma”.

PROFISSÃO DE FÉ

Não quero o Zeus Capitolino
hercúleo e belo,
talhar no mármore divino
com o camartelo.

(...)

Invejo o ourives quando escrevo:
imito o amor
com que ele, em ouro, o alto relevo
faz de uma flor.

(...)


Torce, aprimora, alteia, lima
a frase; e, enfim,
No verso de ouro engasta a rima,
Como um rubim.

Quero que a estrofe cristalina,
dobrada ao jeito
do ourives, saia da oficina
sem um defeito:

(...)

Ver esta língua, que cultivo,
sem ouropéis,
mirrada ao hálito nocivo
dos infiéis!...

Não, morra tudo que me é caro,
fique eu sozinho!
Que não encontre um só amparo
em meu caminho!

Que a minha dor nem a um amigo
inspire dó...
Mas, ah! que eu fique só contigo,
contigo só!

Vive! Que eu viverei servindo
teu culto, e, obscuro,
Tuas custódias esculpindo
no ouro mais puro.

Celebrarei o teu oficio
no altar: porém,
se inda é pequeno o sacrifício,
morra eu também!

Caia eu também, sem esperança,
porém tranqüilo,
inda, ao cair, vibrando a lança,
em prol do Estilo!

(Olavo Bilac)



1.    Com que trabalho artesanal é comparado o ofício do poeta? Qual a ideia do trabalho poético que fundamenta essa comparação?

2.    Quem é o interlocutor do eu lírico?

3.    Segundo o poema, o que o poeta deve defender até a morte?

4.    Por que “Profissão de Fé” pode ser considerado um manifesto do Parnasianismo?

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Questões de vestibulares


1. (UNICAMP-2006) O soneto abaixo, de Machado de Assis, intitula-se Suave mari magno, expressão usada pelo poeta latino Lucrécio, que passou a ser empregada para definir o prazer experimentado por alguém quando se percebe livre dos perigos a que outros estão expostos:

Suave mari magno


Lembra-me que, em certo dia,
Na rua, ao sol de verão,
Envenenado morria
Um pobre cão.

Arfava, espumava e ria,
De um riso espúrio* e bufão,
Ventre e pernas sacudia
Na convulsão.

Nenhum, nenhum curioso
Passava, sem se deter,
Silencioso,

Junto ao cão que ia morrer,
Como se lhe desse gozo
Ver padecer.


*espúrio: não genuíno; ilegítimo, ilegal, falsificado. Em medicina, diz respeito a uma enfermidade falsa, não genuína, a que faltam os sintomas característicos.

a) Que paradoxo o poema aponta nas reações do cão envenenado?


b) Por que se pode afirmar que os passantes, diante dele, também agem de forma paradoxal?


c) Em vista dessas reações paradoxais, justifique o título do poema.


2. (UNICAMP-2011) Leia o excerto de A cidade e as serras, de Eça de Queirós, e responda ao que se pede.

Era um domingo silencioso, enevoado e macio, convidando às voluptuosidades da melancolia. E eu (no interesse da minha alma) sugeri a Jacinto que subíssemos à basílica do Sacré-Coeur, em construção nos altos de Montmartre. (...) Mas a basílica em cima não nos interessou, abafada em tapumes e andaimes, toda branca e seca, de pedra muito nova, ainda sem alma. E Jacinto, por um impulso bem jacíntico, caminhou gulosamente para a borda do terraço, a contemplar Paris. Sob o céu cinzento, na planície cinzenta, a cidade jazia, toda cinzenta, como uma vasta e grossa camada de caliça* e telha. E, na sua imobilidade e na sua mudez, algum rolo de fumo**, mais tênue e ralo que o fumear de um escombro mal apagado, era todo o vestígio visível de sua vida magnífica.

*Caliça: pó ou fragmentos de argamassa ressequida, que sobram de uma construção ou resultam da demolição de uma obra de alvenaria.
**Fumo: fumaça.

a) Em muitas narrativas, lugares elevados tornam-se locais em que se dão percepções extraordinárias ou revelações. No contexto da obra, é isso que irá acontecer nos “altos de Montmartre”, referidos no trecho? Justifique sua resposta.


b) Tendo em vista o contexto histórico da obra, por que é Paris a cidade escolhida para representar a vida urbana? Explique sucintamente.
c) Sintetizando-se os termos com que, no excerto, Paris é descrita, que imagem da cidade finalmente se obtém? Explique sucintamente.



3. (FUVEST-2011) Leia este trecho do poema de Vinícius de Moraes.

MENSAGEM À POESIA

Não posso
Não é possível
Digam-lhe que é totalmente impossível
Agora não pode ser
É impossível
Não posso.
Digam-lhe que estou tristíssimo, mas não posso ir esta
[noite ao seu encontro.
Contem-lhe que há milhões de corpos a enterrar
Muitas cidades a reerguer, muita pobreza pelo mundo
Contem-lhe que há uma criança chorando em alguma parte
[do mundo
E as mulheres estão ficando loucas, e há legiões delas carpindo
A saudade de seus homens: contem-lhe que há um vácuo
Nos olhos dos párias, e sua magreza é extrema; contem-lhe
Que a vergonha, a desonra, o suicídio rondam os lares, e é
[preciso reconquistar a vida.
Façam-lhe ver que é preciso eu estar alerta, voltado para
[todos os caminhos
Pronto a socorrer, a amar, a mentir, a morrer se for preciso.
.............................................................................................
.
Vinícius de Moraes, Antologia poética.

a) No trecho, o poeta expõe alguns dos motivos que o impedem de ir ao encontro da poesia. A partir da observação desses motivos, procure deduzir a concepção dessa poesia ao encontro da qual o poeta não poderá ir: como se define essa poesia? quais suas características principais? Explique sucintamente.

b) Na “Advertência”, que abre sua Antologia poética, Vinícius de Moraes declarou haver “dois períodos distintos”, ou duas fases, em sua obra. Considerando-se as características dominantes do trecho, a qual desses períodos ele pertence? Justifique sua resposta.



4. (UNICAMP-2011) Leia os seguintes trechos de O cortiço e Vidas secas:

O rumor crescia, condensando-se; o zunzum de todos os dias acentuava-se; já se não destacavam vozes dispersas, mas um só ruído compacto que enchia todo o cortiço. (...).
Sentia-se naquela fermentação sanguínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras que mergulhavam os pés vigorosos na lama preta e nutriente da vida, o prazer animal de
existir, a triunfante satisfação de respirar sobre a terra.
(Aluísio Azevedo, O cortiço. Ficção completa. Rio de Janeiro: Nova Aguillar, 2005, p. 462.)

Fabiano ia satisfeito. Sim senhor, arrumara-se. Chegara naquele estado, com a família morrendo de fome, comendo raízes. Caíra no fim do pátio, debaixo de um juazeiro, depois tomara conta da casa deserta. Ele, a mulher e os filhos tinham-se habituado à camarinha escura, pareciam ratos – e a lembrança dos sofrimentos passados esmorecera. (...) — Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta. Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só. E, pensando bem, ele não era homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros. Vermelho, queimado, tinha os olhos azuis, a barba e os cabelos ruivos; mas como vivia em terra alheia, cuidava de animais alheios, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra. Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-a, murmurando:
— Você é um bicho, Fabiano.
Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de vencer dificuldades. Chegara naquela situação medonha – e ali estava, forte, até gordo, fumando seu cigarro de palha.
— Um bicho, Fabiano. (...)
Agora Fabiano era vaqueiro, e ninguém o tiraria dali. Aparecera como um bicho, entocara-se como um bicho, mas criara raízes, estava plantado.
(Graciliano Ramos, Vidas secas. Rio de Janeiro: Editora Record, 2007, p. 18-19.)

a) Ambos os trechos são narrados em terceira pessoa. Apesar disso, há uma diferença de pontos de vista na aproximação das personagens com o mundo animal e vegetal. Que diferença é essa?

b) Explique como essa diferença se associa à visão de mundo expressa em cada romance.

5. (FUVEST-2011) Considere o seguinte excerto de O cortiço, de Aluísio Azevedo, e responda ao que se pede.

(...) desde que Jerônimo propendeu para ela, fascinando-a com a sua tranquila seriedade de animal bom e forte, o sangue da mestiça reclamou os seus direitos de apuração, e Rita preferiu no europeu o macho de raça superior. O cavouqueiro, pelo seu lado, cedendo às imposições mesológicas, enfarava a esposa, sua congênere, e queria a mulata, porque a mulata era o prazer, a volúpia,  era o fruto dourado e acre destes sertões americanos,
onde a alma de Jerônimo aprendeu lascívias de macaco e onde seu corpo porejou o cheiro sensual dos bodes.

Tendo em vista as orientações doutrinárias que predominam na composição de O cortiço, identifique e explique aquela que se manifesta no trecho a e a que se manifesta no trecho b, a seguir:

a) “o sangue da mestiça reclamou os seus direitos de apuração”.

b) “cedendo às imposições mesológicas”.